domingo, 6 de janeiro de 2008

Muitas cores, poucos sentidos.

Sim, sim. Copiei e colei. É um texto que escrevi em Novembro de 2007, inspirado na primeira parte de Fama e Anonimato, do genial Gay Talese. Um ótimo exercício de observação, numa cidade de ausentes.
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Parque Barigui é um lugar de coisas que passam despercebidas. No meio do lago, uma bela Biguatinga, de coloração negra e desenhos brancos, solta um leve grasnido, um pedido de atenção. Ninguém a nota. Talvez apenas o moreno baixinho, de cabelos ruivos e bermuda xadrez, que carrega um saco com latinhas velhas, retiradas dos lixos do parque. Um homem que consegue dar impressionantes três voltas, pelo percurso de sete quilômetros, em menos de uma hora e ainda sentar em um dos bancos próximos ao gigantesco lago e admirar, por segundos, todas as aves que nele repousam e que diz, aos passantes, que é apenas o cansaço.
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Parque Barigui é um lugar para excêntricos e uma central de pequenas curiosidades. Em uma hora, 78 pessoas andam com tênis Adidas, preto e branco, 42 com Nike Shox, 29 com Reebok e 4, três mulheres e um homem, com All Star. 44 homens usam bonés, 32 são brancos e os outros são azul, verde musgo e preto. Quando se trata de chapéus, o vermelho é a escolha de seis mulheres. Os homens optam por bermudas coloridas e algumas vezes bege e as mulheres usam calça de ginástica preta. Amarelo é um tom que raro se usa. Suja muito, diz um gorducho, o único de all star - verde. Caminhar sozinho quase não é uma opção e, quando ocorre, os passos são velozes, o olhar mira o horizonte e a boca permanece semi-aberta. 16 pessoas andam sozinhas e apenas três usam algum tipo de aparelho que toca música. Uma mulher conversa com seu cachorro.
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Segundo a Dior, a tendência 2008 são os óculos grandes. Os adeptos do Parque Barigui confirmam. Em uma hora, das 387 pessoas que passaram em frente ao km 3 - sentido horário, 197 usam óculos grandes, entre eles 1 verde, 1 amarelo e 2 vermelhos, sendo que só 8 homens entram para esse grupo. As legítimas havaianas são utilizadas por cinco pessoas, todas com cores diferentes. Três executivos usam terno, gravata e sapato social. Mas apenas um trata de negócios durante a caminhada. A tecnologia promete avançar, informam os cientistas. 42 pessoas falam ao celular e 59 usam mp3.
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Os grupinhos de amigos são basicamente dois: de casais ou vários solteiros com apenas um casal. A conversa disfarça a fome e por isso só três pessoas comem pipoca, salgada e com bacon, comprada no lado oposto do parque. Água faz bem a saúde e é indicada, pelo menos, a ingestão de 2,5 litros por pessoa, por dia. Duas pessoas levam garrafas de água durante a caminhada, oito bebem cerveja e um grupinho, de casais, bebe chimarrão. Duas pessoas não levam nada, apenas o gesso do braço e outras duas são transportadas por carrinhos infantis.
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Amarelo suja fácil quando se trata de bermudas, mas para bicicletas é a cor favorita. 17 amarelas, 6 rosas e 5 azuis. Faz quatro anos que o Detran não lança uma campanha de orientação para ciclistas, o que justifica o fato de apenas um rapaz usar capacete. Assim como caminhar e andar de bicicleta, não fumar faz bem. Um único cigarro é aceso, em uma hora, e tragado até a metade, sendo excluído próximo à lixeira do km 3.
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Se é dos carecas que elas gostam mais, os oito que passaram pelas 233 mulheres têm muita sorte. Sorte e azar, aliás, são termos bastante relativos. Os carecas andavam com amigos, enquanto o único cabeludo, de dread e adidas, estava com uma morena e seu scarpin salto agulha marrom. Como diz o senso 2006, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres são grande maioria em Curitiba. O parque prova pelas 178 morenas, 41 loiras, 6 ruivas e oito senhoras de cabelos brancos, contra 147 morenos, 2 loiros, 4 grisalhos e o ruivo das latinhas.
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No Parque Barigui, os chineses pulam com suas bermudas estilo holandês enquanto algumas mulheres andam de minissaia e um grupinho de vários solteiros acompanha o único casal que toca violão e canta. Cenas estranhas acontecem no Parque Barigui. Um pai que briga com o filho que sujou as rodinhas da bicicleta amarela de lama e ali, um tanto mais para frente, atola a sua, azul, numa grande poça de barro. Um rapaz de camisa branca, com os dizeres “Deus está próximo”, fala de sexo com uma amiga. Um bebê dá seus dois primeiros passos. Um moreno anda com seu pit bull e ambos carregam uma pesada corrente de prata no pescoço.
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Para algumas pessoas, o que melhor simboliza o Parque Barigui é o grande jacaré de papo amarelo, que não aparece nunca, mas atrai cada vez mais curiosos. Quando ele sai da água, o faz bem de mansinho – sem que ninguém o veja. Da mesma forma como ninguém percebe os carecas, os óculos, as loiras, o casal que bebe chimarrão. E ninguém percebe que é observado, talvez apenas a Biguatinga.

7 comentários:

Francinne Berkenbrock disse...

Nossa, me deu até um arrepio quando eu terminei de ler.
Não vou ficar muito perto de você! Você pode estar me observando também. Daqui a pouco, quando eu menos esperar, vai ter um post sobre a minha vida, (e que doce vida), diária aqui.
Hahaha
Ficou muito bom!
Por isso que eu digo, você é meu orgulho.
Beijos.

Anônimo disse...

Orgulho de muita gente.
Como você está minha cara? Seu ano novo foi bom?
Texto perfeito, como sempre.
Claro, minha melhor aluna de redação não poderia fazer feio.
Falou com a Moderna?

Um abraço,
Daniel

Anônimo disse...

Esse texto é do demônio! Vamos todos para o inferno!!! Depois vossa-senhoria, com esse texto, vai tentar entrar em alguma televisão ou jornal curitibano! há-há-há! E viva a hipocrisia!

Kindex disse...

O posto do dia 5 vc diz?
É, eu escrevi o meu depois de lê-lo.
haha

caralho, haja saco pra olhar tanto assim o parque pqp
haha

mandando bem no blog cuh =D
bejoka!

Andressa Berkenbrock disse...

Maninha, o que é que eu não sei?
Hahaha... Vou sim, um texto sobre você e outro da Sabrina (ela pediu apenas para trocar os nomes - seria muita exposição!). Hehehe...

Dani, obrigada por aparecer sempre!
Achei a Karine e a Joyce no orkut!
Minha virada foi ótima, na praia!
Ah, ótimas aulas fazem um bom texto, não é mesmo? =)
Sim. Ai, como o seu Virgílio faz falta lá! Saudade!
E você, como está?

Demo, meu caro! Obrigada pelo comentário, me inspirou!
E o texto do parque tem continuação! ;)

Sim Marcelo, sim. Eu imaginei. Você está me saindo mais publicitário do que imaginei.
E é divertido observar, acredite.
Quem sabe você não é o próximo da lista? Hahaha..
Mandando bem no seu blog também, parabéns e obrigada!

Beijocas a todos!

Unknown disse...

Caraca guria. É isso que mais prezo em você, sabe observar.
Muito bom mesmo!
Professor Daniel aqui! É verdade, sempre foi a melhor aluna de redação. Eu não deveria falar isso, mas lembra aquela prova de português que todo mundo colou de você? Hahaha.. dez geral e castigo geral.. cômico!
Bjs

Anônimo disse...

Realmente parece muito com o texto do gay talese, o início de cada parágrafo e a precissão dos fatos.
Achei o seu blog pelo do Rodolfo da Unibrasil. Parabéns.